“Sedenta e antiga criatura depara-se com habitantes dos novos tempos e fica maravilhada com a arte do cinema.”
Quadrinhos, livros, filmes… Onde será que o fã de vampiros poderá encontrar as melhores histórias?
Muitos autores responderiam que é na literatura que nascem os melhores mortos-vivos. Outros diriam que nada se comprara aos grandes atores que representaram o Drácula nas telonas. Alguns se aventurariam a dizer que os contos mais memoráveis foram nas HQs.
Mas para Carlos Patati a resposta é todas essas e muitas outras opções de mídias. Tendo trabalhado desde os 20 anos com quadrinhos de terror, Patati é um premiado autor que colaborou com a “Coleção Sobrenatural: Vampiros” daAvec Editora que observou nessa entrevista as várias representações desse mito.
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Vagner Abreu: Quais obras que mais lhe influenciam a escrever textos sobre terror, horror ou histórias de vampiros?
Carlos Patati: Conheço os vampiros desde criança, quando eu e meus vizinhos de Teresópolis íamos em verdadeira comitiva ver filme de Drácula da Hammer num dos três únicos cinemas da cidade. Como a gente enchia a casa, o bilheteiro não queria nem olhar documento, e ia a vizinhança em peso!
Também foi lá,apavorado e encantado,que assisti “O Santo contra as mulheres vampiras“! Passei a catar tudo que tivesse a ver com vampiros, e logo dei a sorte de achar a edição que a Record lançou, nos anos 70, do romance de Bram Stoker, “Dracula!”
Esse livro me deixou encantado, não só com a maior dificuldade encontrada por seus heróis para vencer o vampiro, que nos filmes, como pelo fato da escrita parece a compilação de uma correspondência.Parecia gente de verdade falando!
Isso foi numa época em que minha mãe escrevia carta pra minha vó na minha frente. Assustador! Será que é alguma correspondência secreta, que o tal Bram Stoker desenterrou? Especulei eu .Ora, se fosse esse o caso, vinha um prefácio na frente fazendo o maior carnaval! Ainda assim, fiquei assombrado o suficiente para contar essa história a um amigo, impressionadíssimo com aquele aparente dossiê de cartas!
Achei muito melhor que os filmes nossos conhecidos da época! Ora, qual não foi minha surpresa, essas décadas todas depois, quando esse amigo, o tradutor Humberto Moura Neto, junto com a escritora Martha Argel,organizou a brilhante antologia “O Vampiro antes de Drácula”. Esta, compila os principais textos de vampiro escritos, como diz o título, antes do Drácula. Saiu pela editora Aleph, e traz um agradecimento a mim por ter contado “Drácula” a ele quando éramos crianças, e assim ter estimulado seu metódico, dedicado interesse…não é pra ficar contente?
Naquela época, nós conhecíamos os quadrinhos brasileiros de Drácula , pelo gigante do traço que se chamou Nico Rosso, que diversas vezes teve aventuras bem escritas, também!
Rosso, que não era bobo, sempre se dedicava mais aos argumentos melhores, então ver uma aventura do Drácula desenhada por este Mestre em dia de alegria era diversão garantida!!!
Pouco depois , as revistas da Warren nos trouxeram a sensacional Vampirella, , que conheci antes da vampira de biquini brasileira, a Mirza, do E. Colonnese.“Vampi” , como era carinhosamente chamada pelos editores na seção de carta, foi desenhada por um conjunto de grandes desenhistas, em especial o espanhol José Gonzalez, autor do poster que era meu sonho de consumo.
Também rolaram excelentes quadrinhos de Drácula, pelo Reed Crandall e pelo Estebán Maroto com roteiro de Archie Goodwin. Claro, quase caí sentado quando li “Os cantos de Maldoror” do Lautréamont; foi-me presenteado por alguém, queria lembrar quem, que disse: “E se Drácula tivesse escrito o romance’?
Olha, o livro quase não fala em vampiro, mas é vampiresco, hipnotizador! Alguns anos depois, meu outro grande encontro com o tema foram os romances da Anne Rice, em especial “Entrevista com o Vampiro” e “O Vampiro Lestat”, os dois primeiros, nos quais a evidente pesquisa histórica tinha o tempero de um texto com uma boa levada. Não é Maldoror, claro, nem Drácula é, mas se tem um ponto de vista do vampiro, deve ser como este!
Vagner: Para você, quais elementos não podem faltar em uma história de vampiro?
Carlos: Pra mim, o que não pode faltar numa boa história de vampiro é ao menos a consciência dos elementos intrínsecos do mito… Mesmo que seja pra contrariar!
Houve umas HQs que fizeram, por exemplo, bom uso humorístico desse conhecimento existente sobre vampiros, que com efeito vem do folclore. Estou falando, por exemplo, do “Greenberg The Vampire”, do J.M. De Matteis e do Mark Badger (se não me engano) em que o vampiro era tão vulnerável á estrela de David quanto á cruz , dependendo da fé de quem segurasse. Então a história tinha o seu borogodó.
Acho que é isso, tem que ter um borogodó, namoro de vampiro da Anne Rice não é como os do Crepúsculo… O desafio de equilibrar sedução e perigo! Também acho que não pode faltar um alho, sem alho o tempero fica suave demais…
Vagner: Faça uma análise do atual leitor brasileiro: Por que você acredita que o público pode se interessar por contos de vampiros?
Carlos: Acho que o vampiro nos é familiar na medida em que existe tanto no folclore, de um modo ou de outro, como na herança cultural e filosófica em geral, de um modo ou de outro.
Fazer vampiro no Brasil tanto pode ser sobre adaptação de estrangeiros a costumes e ambiente locais, como pode ser sobre a ruptura com antigos hábitos…se tem vampiro, tem sedução no meio, sem excluir nenhuma brutalidade ou sadismo.
E se a vítima tiver a oportunidade de se salvar caso responda certa pergunta antes de desmaiar? Acho que hoje o vampiro suporta diversos tipos de tratamento e eu creio que também cabe um tempero baiano, pra quem gosta de uma estreia espetaculosa, ou componentes mineiros e ruminantes, pra quem gosta de parecer quieto… Acho que diversas atitudes sanguessugas merecem detalhamento específico, se florescem na nossa peculiar cultura nacional…
Vagner: Para você quais alegorias ou metáforas os sanguessugas podem simbolizar para os leitores modernos?
Carlos: Eros e Tânatos! Num só pacote! Ou não é sedutora, a perspectiva de morrer e se tornar um sanguessuga preservado?
Existe um aspecto interessante, pra mim, se a vítima sabe para onde se encaminham os acontecimentos e, permite que o façam, muitas vezes quando ainda poderiam reagir…!!
Não me esqueço da clássica cena de “A Dança dos Vampiros”, do [Roman] Polanski, em que a menina está tomando banho na banheira de latão e o vampiro aparece do lado de fora da janela, exigindo entrada , só com o olhar…mas não entra de uma vez!
Quando os patetas principais irrompem lá, o vidro está quebrado e a garota sumiu…Essa cena, antes de todas as outras em HQs e romances, me mostrou: as melhores vítimas são as que…também querem!
Vagner: Segundo o seu ponto de vista, quais povos ou nações (da antiguidade ou da era moderna) que mais contribuíram para a mitologia vampiresca e quais são os que mais lhe servem como referencial?
Carlos: Acho que o vampiro, entendido numa concepção ampla, está presente nas mais diversas culturas..Quando jovem e cinéfilo, fui ver um filme japonês de nome “Contos da Lua Vaga”, de um tal Kenji Mizoguchi. Quase caí da cadeira, quando, lá pelo meio do filme, apareceu um vampiro si-nis-tro no caminho de um viajante descrito até agora de maneira histórica e detalhada.
Perguntei a um colega nissei e ele me disse que lá no Japão é cheio de lendas de vampiro… Do meu lado, no mundo ocidental, já bem antes de assombrar os transilvanianos, já sabia que eram muito presentes, como lamia, no mundo grego, e bem mais tarde Goethe escreveu com base nas fontes gregas seu belo poema vampiresco “A Noiva de Corinto”… De modo que eu acho a pista deles visível em tudo quanto é que cultura!
Vagner: Agora que terminaram praticamente todas as séries de TV, filmes e livros sobre vampiros afeminados que só …“mordem pescoço” depois do casamento. Como você acredita que será a próxima geração de histórias sobre vampiros? É possível haver um resgate daquele monstro sinistro vitoriano?
Carlos: A cara da próxima onda de textos vampiros eu não ouso definir. Só não quero é diluição lacrimogênea! Nada de antídoto ou substitutivo pra hemoglobina!
Monstro vitoriano também já não é preciso, hoje as pessoas podem assumir suas sexualidades de forma bem mais simples, então a alegoria vitoriana eu creio que já deu o que tinha que dar…
Acho que vem aí, se forem boas, muitas histórias de vampiro com muito sangue, sexo a até um pouco de afeto! Por exemplo , Howard Chaykin* é bacana, fazendo HQ de vampiro! Ele conhece…gente!
Nota do Editor: Ao citar Howard Chaykin, Patati pode estar se referindo a HQ da Vertigo “Clube Vampiro”, lançado pela Panini no Brasil esse ano.
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Como podem ver, Carlos Patiti é uma autoridade no tema da “Coleção Sobrenatural: Vampiros”da AVEC editora. Ele não é o único grande autor a colaborar com sua visão sobre uma lenda imortal.
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Crédito da Entrevista: Vagner Abreu, Assessor de Comunicação.