“O orquidófilo” é o conto de de Simone Saueressig. Essa renomada escritora nasceu em Campo Bom, no Rio Grande Sul, em 1964 e já escreve desde 1987, tendo entre seus trabalhos, obras fantásticas como “A Noite da Grande Magia Branca” (2007), “A Estrela de Iemanjá” (2009), “A Máquina Fantabulástica” (1997). Também escreveu o livro “Contos do Sul” (2012) e a saga “Os Sóis da América” (2013-2014).
Simone foi a primeira autora da antologia “Coleção Sobrenatural: Vampiros” da AVEC Editora a conceder uma entrevista. E ela deseja que os bom e velho Conde Drácula volte a assombrar as noites….
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Vagner: Quais obras (literárias, filmes, quadrinhos, seriados de TV, música, etc) que mais lhe influenciam a escrever textos sobre terror, horror ou histórias de vampiros?
Simone Saueressig: Nossa, muitas! Na verdade, cresci rodeada de todo o tipo de mídia mal-assombrada, inclusive aquela que é a melhor de todas: as histórias contadas pela família. Em todo o caso, dá para citar “Salem’s Lost”, doStephen King, e “Entrevista com o vampiro”, da Anne Rice, que são ótimos livros. Também consumi muito daqueles filmes de vampiro da década de 50. Minha mãe gosta e sempre que passava na TV aberta, os assistia, então eu também os via.
Vagner: Para você, quais elementos não podem faltar em uma história de vampiro?
Simone: Tem que ter alguma coisa de gótico. Não necessariamente no cenário, mas no texto. E gosto quando o autor “respeita” aquelas regrinhas básicas: vampiro não pode pegar sol, não se vê no espelho, não suporta alho, exerce uma fascinação intensa sobre aqueles que identifica como possíveis vítimas, etc. Sei lá, é como jogo de vôlei: você pode inventar a jogada que quiser, desde que cumpra as regras. Então, quando o autor foge delas, me dá uma impressão de que está faltando alguma coisa.
Vagner: Faça uma análise do atual leitor brasileiro: Por que você acredita que o público pode se interessar por contos de vampiros?
Simone: Bom, não sei muito bem. Acho que as histórias, em geral, seja do que for, sempre nos ajudam a viver melhor o cotidiano, porque fornecem uma “área de escape” para o nosso imaginário, onde podemos descansar das pressões do cotidiano. Diante disso, creio que o público brasileiro está descobrindo a fascinação por essas criaturas fantásticas. Em alguns casos, redescobrindo. A gente precisa desse imaginário. Se você não acreditar que o mocinho vai dar conta do vampiro sanguinário e poderoso, como é que você vai acreditar que vai dar conta do conta do cliente de nariz torcido, ou do chefe emburrado, ou da cota mínima de vendas exorbitante? Perto de um vampiro, tudo isso toma uma dimensão muito menor. Por outro lado, sempre houve essa exploração do povo brasileiro e não foram poucas as vezes que a mídia associou maus políticos, e mesmo a quantidade de impostos que se paga, ao ato de ser vampirizado. Isso já faz parte do nosso imaginário.
Vagner: Sendo o vampiro um mito. E considerando que todo mito ou lenda tem significado para a sociedade. Sabendo que os vampiros podem ser vistos como uma alegoria ou metáfora. Para você quais alegorias ou metáforas os sanguessugas podem simbolizar para os leitores modernos?
Simone: Como eu falei, acho que de muitas maneiras, e muitas delas bastante corriqueiras, inclusive. Afinal, o vampiro rouba o que a pessoa tem de mais substancial: o sangue, que representa a vida. Então, o que é a vida para você? Os tributos que você paga sobre o que conquistou ao longo do ano, em forma de impostos, podem ser visto como uma forma de ser “sugado”, de ser “vampirizado”.
Mas esse é o óbvio. Existem outras formas: o tempo que você perde no transporte público, e que é a própria existência, é um tempo “sugado” de você, algo que você perde para o Sistema e não consegue recuperar, por exemplo. Acho que o vampirismo é uma metáfora para o que você vê ir embora, irremediavelmente, levado por uma outra pessoa, que se parece a você, porque tem aparência de ser humano, mas que por dentro não é igual à você, porque vive às custas dos outros.
E isso pode ser aplicado a diferentes momentos e questões da vida da gente, tanto no que é bem visível e compreensível para todos, até para aquelas questões profundamente pessoais, as quais apenas o indivíduo envolvido vai conseguir compreender assim. E, inclusive, essa é a razão pela qual acho que o monstro-vampiro não deve perder suas características principais.
Se ele as perder, se deixar de sugar sangue, o problema não é que ele se transforme em um personagem meigo, mas que ele perca a função de catalizador das nossas frustrações cotidianas. O monstro-vampiro é a metáfora para tudo o que me suga a vida e se ele desaparece, o que resta? A pura realidade, cuja complexidade, muitas vezes torna tudo muito difícil de lidar.
Sim, é mais fácil matar o vampiro mais poderoso de todos, do que vencer o atraso do metrô que nos impedirá de ver o teatro de final de ano de nossa filha na escola, por exemplo. Você pode matar o vampiro, mas não pode matar o metrô ou a perda de tempo. Então descontamos nossas frustrações nessas criaturas do imaginário. Precisamos delas para sobreviver.
Vagner: Segundo o seu ponto de vista, quais povos ou nações (da antiguidade ou da era moderna) que mais contribuíram para a mitologia vampiresca e quais são os que mais lhe servem como referencial?
Simone: Como eu gosto de vampiros clássicos, é óbvio que os mais importantes para mim são os europeus, com sua carga mofada de títulos nobres, esnobes até dizer “chega!”. Afinal, muito se alardeia sobre clãs de vampiros, mas na real, todo vampiro foi gente um dia. Isso os torna muito interessantes, porque eles parecem renegar essa origem “humilde”. O vampiro é um monstro complexo, que se torna monstro porque se julga melhor do que os demais.
Em todo o caso, felizmente agora a gente sabe que esse monstro existe em várias culturas, carregando consigo a carga metafórica de cada uma. Isso é muito legal. E mesmo hoje, quando criamos um vampiro moderno (como por exemplo a Maya, da Giulia Moon**, de quem sou fã), nós o imbuímos de características modernas. Eles são vampiros, mas são outros, acompanham o tempo. A Maya da Giulia é rica, tem carros (sim, no plural) e ao invés de ter um lacaio doido de pedra, tem um mordomo! Ou seja, não é uma relação de poder como no séc. XIX, mas uma relação de trabalho, como no séc. XXI. Se eles terão um caso, se ela vai morder o pescocinho dele, é outra discussão, mas mesmo se isso acontecer, observem: é a figura feminina que detém o poder da relação. A personagem masculina é frágil, por ser um humano servindo a um vampiro. E isso, também é moderno.
Nota do Editor: Maya é uma vampira criada pela escritora paulistana Giulia Moon. Ela é a protagonista de vários contos escritor pela autora e fez sua estréia na história “Um tédio de matar” da coleção “Luar de Vampiros”.Giulia Moon também colaborou com um conto para a Coleção Sobrenatural: Vampiros e será a próxima autora a ser entrevistada. Aguarde!
Vagner: Agora que terminaram praticamente todas as séries de TV, filmes e livros sobre vampiros afeminados que só …“mordem pescoço” depois do casamento. Como você acredita que será a próxima geração de histórias sobre vampiros? É possível haver um resgate daquele monstro sinistro vitoriano?
Simone: Eu espero que aconteça o resgate do vampiro como monstro, sim. Como eu disse antes, acho que ele tem uma função importante no imaginário dos seus fãs e privá-los dessa figura, os privará de um meio de aliviar suas tensões diárias. Você não precisa ler histórias de vampiros todos os dias para isso: basta ele estar lá no seu subconsciente, com toda a carga metafórica que ele tem. De vez em quando você o tira do porão, dá uma espanada, lê alguns contos como os nossos e ele continua vivo e reluzente, cumprindo a sua parte do trato: você o alimenta com as suas frustrações e ele as devora, para as devolver na forma de esperança ou de diversão. Em meio ao que se vê hoje nos noticiários, isso é o mínimo que se pode pedir aos sanguessugas de plantão.
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Sentiu toda a bagagem cultural e filosófica que uma mera história de terror sobre vampiros pode conter? Identificou-se com a Simone e sua visão singular sobre os Amaldiçoados?
Então adquira já o “Coleção Sobrenatural: Vampiros” da AVEC editora nesse link e leia “O Orquidófilo”, uma aventura vampiresca nas selvas amazonas, por Simone Saueressig. A autora também mantém um blog pessoal AQUI.
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Crédito da Entrevista: Vagner Abreu, Assessor de Comunicação.