Criando Contos de Terror: O Sequestro – Por Jorge Valpaços
Pesadelos Terríveis é um jogo de terror psicológico, um tipo de jogo que pode parecer desafiador a iniciantes, sobretudos a quem conduz as partidas. Ainda que o conjunto de regras seja simples e que haja muitos textos de apoio e exemplos em todo o jogo, por muitas vezes ficamos inibidos ao planejar uma partida, chamada de Conto de Terror em Pesadelos Terríveis.
O caminho mais simples é associar a experiência do Medo com algo violento. Esse procedimento pode fazer com que o Narrador imagine a história entorno de Manifestações bizarras dos Pesadelos perseguindo os Sonhadores, os protagonistas do jogo. Ainda que perseguições sejam possibilidades para explorar o indizível – o horrível –, essa saída oculta o clima de ansiedade que sustenta o terror, e que faz com que as partidas sejam mais intensas a todos.

ladrão), s/d (após 1500) – Óleo sobre madeira, 74 x 81 cm – Museu de Belas Artes de Ghent, Bélgica
Há muitos caminhos para criar Contos de Terror, e não apresentarei nesse texto um manual para isso. Em Pesadelos Terríveis há várias dicas, mas esta pode ajudar muitos que desejam começar a narrar. E você pode levá-la para outros jogos, obviamente. Falo da técnica do Sequestro. Vamos ver como essa técnica funciona.
Em meio a rotina…
A primeira etapa para a criação de um Conto de Terror é explorar bem as Cenas de Narrativas Livres e Risco Baixo. Utilize Enquadramentos Passivos e estimule os jogadores a simplesmente vivenciarem suas rotinas, suas vidas comuns. Lembre-se que um Sonhador não é um mago urbano, um super-herói. Ele é como uma pessoa qualquer, só possui uma percepção sobrenatural e Poderes sutis no Nosso Mundo. Cabe usar bastante o cenário e trazer à ficção o que foi definido nos 2 Mundos, sobretudo no Nosso Mundo. Respire, faça com que cada um imprima a personalidade de seu Sonhador, não interrompa a interpretação. Torne-os confortáveis ao ambiente ficcional partilhado.

… algo se perde…
Então, algo essencial se vai. Essa é a hora de usar um Enquadramento Ativo. Normalmente é o momento quando os Sonhadores se unem. Isso pode ser abrupto, como em um acidente que os isola, porém isto pode ser mais delicado. Em partidas únicas, como em uma convenção de jogos, um evento como o capotamento de um ônibus pode ser uma alternativa, já que isto impulsionará os jogadores a reagir.
Contudo, vamos pensar com cautela no que se perde para que possamos explorar outras possibilidades. O que se perde pode ser a segurança, como no caso do acidente. Mas a perda de energia elétrica em um acampamento, ou simples perda do sinal do celular são perdas que geram consequências na narrativa. O que se perde não é apenas algo banal, mas deve levantar barreiras, trazer ansiedade. A Cena da perda em
si pode ser uma Cena de Risco 0. Não é ela que traz o Medo, mas sim o cenário que se constrói com aquilo que ocorre.
O que se perde pode não afetar diretamente os Sonhadores, mas sua rede de contatos. Seus amigos, seus amores, até seus desafetos. Jogue com a moralidade e coloque em risco apenas contatos de um ou dois Sonhadores. Como os demais reagirão? Os Sonhadores já se conhecem, partilham sonhos no Mundo dos Pesadelos. Então solicitar auxílio será algo previsível, mas atender ao pedido não. Conflitos e cenas dramáticas brotarão neste momento. Novamente não seja dirigista. Siga com cautela e aprofunde as Cenas expondo fraquezas e trazendo sutis manifestações dos Pesadelos para tornar as coisas mais intensas.

Podemos ter um exemplo pensado de forma mais livre, com um grupo de Sonhadores formado por companheiros de um escritório. A rotina segue comum, há interesses afetivos até. Uma Sonhadora deseja se aposentar, outro é um estagiário. Em um dado dia, todos entram no elevador. Contudo, após um solavanco, ele não para de descer. Quando a porta do elevador finalmente se abre, eles estão em um Domínio do Mundo dos Pesadelos, sendo o Conto o regresso ao Nosso Mundo. O que se perde por ali é o direito de retornar à sua rotina. De fato, tudo que se perde faz parte do Sequestro da rotina. Esse ponto de virada na narrativa pode ser mais ágil e até abruto, funcionando como falso clímax na história. E é a partir daqui que as coisas ficam mais tensas.
… e há um custo para tê-lo de volta.
Mas veja, não se trata de uma simples perda. Há um porquê para tanto e é sobre essa motivação que você, Narrador, deve se debruçar. São essas questões que serão respondidas nas Cenas com a Experiência Seguir em Pesadelos Terríveis, aquelas que inserem o componente investigativo ao Conto. Mas atente, os Sonhadores não são investigadores supertreinados. Isso significa que as pistas podem se apresentar como truncadas, fragmentadas, sem sentido até. Afinal, se são os Pesadelos que operam os ardis contra os Sonhadores, estes o fazem sem seguir nossa racionalidade. Os Pesadelos são frutos do Medo, do inconsciente. Considerá-los arquitetos de grandes planos seria dar humanidade a eles, e até seus servos humanos, tramando contra os Sonhadores, já perderam a Sanidade (como vemos a terapeuta de Samantha em Beladona, por exemplo).
Normalmente é aqui que temos o sobrenatural evidente, o momento onde ações custosas serão solicitadas. Os Pesadelos podem encarar diretamente os Sonhadores e estes, se estiverem no Mundo dos Pesadelos, devem responder com todas as suas forças. Cenas com Risco Alto com muitos Traumas de Cena, Disputas apenas vencidas com o uso de Poderes e necessidade de pensamento estratégico é o que se pretende por aqui.

No exemplo que criei acima, podemos ter a revelação que o gerente do escritório está a serviço dos Pesadelos e se revela como alguém que não deixa os Sonhadores retornarem para as suas casas. Por meio de poderes nefastos, ele pode desejar acabar com as personagens ou ainda, o pior, agir sobre eles fazendo com que tornem-se seus escravos, trabalhando insanamente, depositando toda sua energia vital em um trabalho sem gozo, sem vida, burocrático. Como sabemos, Pesadelos Terríveis trata de forma metafórica com as agruras de nossa humanidade, sendo esse Conto de Terror podendo ser concluído com Sonhadores adquirindo Traumas Psicológicos tão intensos que culminam na retirada da própria vida dada o assédio e a cobrança no ambiente de trabalho. Porém, caso deseje conduzir algo mais explícito, a fratura na realidade que a manifestação dos Pesadelos em Nosso Mundo gerou pode ter realmente causado uma pane no elevador e vitimado alguns dos funcionários. Poucos realmente saberão o que ocorreu na fração de segundos quando ele despencou.
Por fim, há certa incompletude
Pesadelos Terríveis é um jogo de terror. Não há final completamente feliz. Há perdas, há traumas, há consequências ante as escolhas feitas. Então, se há uma orientação à conclusão de um Conto de Terror, vale trabalhar de forma cautelosa e tranquila com cada epílogo. Houve aquisição de Traumas Físicos, explore isso. Traumas Psicológicos? Trabalhe nas Cenas conclusivas com cada um deles. Obviamente não se esqueça que se trata de um jogo e siga com muita cautela, atento aos procedimentos de segurança que Pesadelos Terríveis possui. Mas deixe um certo vazio, uma certa suspeição no ar. Os problemas nunca estarão resolvidos pelos Sonhadores em Pesadelos Terríveis, então sempre deixe ganchos abertos para a continuação das partidas, ora por meio de Antologias, ora por meio de Séries de Contos de Terror.
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